A rua do pertencimento e do imprevisto
20 de maio de 2015 |
* Carlos Nigro
Logradouros públicos também são palcos de grandes eventos planejados, mediante alvará concedido pela Secretaria de Urbanismo, através de uma comissão composta de representantes de vários setores com os seus olhares para análise de impactos e de riscos ambientais e, dentre outros, de segurança pública, conforme legislação municipal.
Oportunizados por interesses, os grandes eventos querem chamar a atenção da opinião pública e acabam congestionando os fluxos do organismo urbano. Em casos de alto risco, aglomerações eventuais demandam locais mais apropriados como estádios, parques ou áreas afastadas. Mas também esses movimentos surgem de forma espontânea, sem programação (são sistemas emergentes com padrão de auto-organização), ou surgem de forma provocada pela inquietude da chamada geração z, que é jovem, inconformista e sensível às causas sociais.
E com o suporte de comunicação proporcionado pelas redes sociais, esses movimentos se tornam, com maior facilidade, cotidianos atos políticos, e não são somente comemorações. Vivemos com eles. Tudo é motivo para ser evento de rua, a qualquer dia e hora, mesmo porque é importante que os citadinos saiam de casa, dos seus guetos, e se apropriem dos espaços públicos. A cidade existe pela e para a socialização.
Os eventos também simbolizam as mudanças culturais e econômicas, pela circulação e distribuição do dinheiro. Existem vários beneficiados e prejudicados, por certos momentos, pelo “mau” funcionamento da cidade e a sua obstrução gerada por esses grandes eventos. Mas o maior prejuízo é a alienação e a falta de percepção do que é divergente e conflituoso. A linearidade do consenso, da mesmice, da mediocridade e da falta de criatividade, carrega o poder do controle social, do medo, da baixa autoestima, do preconceito e da discriminação.
Os logradouros públicos, sejam ruas ou praças, são os canais legítimos da função social. O direito à cidade é o direito à liberdade de expressão. A cidade que luta pela sobrevivência é a cidade real, da sociedade real. É eminentemente a cidade da rua: palco de todas as manifestações da verdade. A rua do pertencimento e do imprevisto. A rua do que está por vir…
Viva a democracia (des)hierarquizante: a dimensão social (e, portanto, misturada) do espaço público, que rompe o dia a dia com suas significações a favor das conquistas.
Com as suas máscaras, a nobreza ainda se disfarça para misturar-se ao povo. Expressões desde e além dos carnavais, mas também das procissões, das comemorações, das feiras, das passeatas, dos piquetes e dos protestos, todas com seus grupos representativos ou suas multidões. São atos simbólicos e fatos concretos que representam o grito do contraditório pela mudança, a revolta contra o status quo dominante pelo pensamento hegemônico, ou ainda a autoafirmação de desejos, de crenças, de ideologias e de fugas, dos indivíduos ou das mais diversas tribos. Mas também deveriam representar o silêncio pela cultura de paz e pela sustentabilidade sem clichê, e por isso, a priori, emergem autoconhecimento e inovações sociais, a partir de conversas significativas para o entendimento e a conscientização desse fenômeno urbano que busca o desenvolvimento e a transformação humana.
Do Paço Municipal ao Centro Cívico: palco de tudo (ou quase tudo), momento de todos! Só não vale, na rua, professor tomar tiro!
(Artigo originalmente publicado no jornal Gazeta do Povo, no dia 20 de maio de 2015).
* Carlos Nigro, arquiteto e urbanista, é mestre em Gestão Urbana, decano da Escola de Arquitetura e Design da PUCPR e conselheiro do Instituto de Arquitetos do Brasil e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná, autor do livro (In) Sustentabilidade Urbana.